Por Virgínia Brandão, do Correio Gourmand
Uma muito apetitosa revolução
A partir dos anos 80, a Gastronomia viveu uma verdadeira revolução no Brasil. Saímos de um cenário estagnado, com restaurantes muito parecidos em que imperavam pratos regionais e receitas estrangeiras mal adaptadas, para chegamos ao novo milênio com um leque de ofertas que engloba uma boa mostra da culinária mundial.
Ficaram no passado os cardápios insossos em criatividade, limitados nos ingredientes pelas restrições e taxas de importação e, no preparo, pela pouca técnica daqueles que heroicamente se tornaram cozinheiros na boca do fogão. Hoje, temos acesso a produtos do mundo inteiro e, nas nossas cozinhas comerciais, atuam um número cada vez maior de profissionais com formação acadêmica específica, adquirida no exterior e/ou, também, nas escolas e cursos profissionalizantes de Gastronomia que continuam a surgir no País. A cada dia, come-se melhor por aqui.
Os restaurantes também mudaram. E não apenas na comida e no visual. De negócio familiar, administrado empiricamente pelos donos, passou a ser encarado e administrado como empresa e a cozinha deixou de ser lugar da mama para ser comandada por um profissional do ramo. Todas essas mudanças, que começaram pelos restaurantes de luxo, não ficaram restritas às casas estreladas, espalhando-se de forma generalizada. As churrascarias são um bom exemplo disso. Mesmo os restaurantes de cozinha regional, guardiões da tradição e geralmente avessos a qualquer tipo de mudança, foram afetados pela nova onda. Ou seja, mesmo quem continua cozinhando a mesma coisa, o faz de forma diferente, mais apurada.
O aumento da oferta
A mudança não ficou restrita aos cardápios e aos restaurantes e pode ser sentida em várias outras áreas, a começar pelos próprios ingredientes. Os supermercados, que no início dos anos 80, tinham em média 1.500 itens de alimentação nas prateleiras, têm, hoje, mais de 8.000 itens. Na barraca de peixes da feira, onde predominavam tainhas, pescadas e sardinhas, agora encontramos salmões, bacalhau fresco, linguados, lulas e mariscos de diversas procedências. Muito se deve à abertura das importações, mas, muito, também, ao desenvolvimento da indústria alimentícia brasileira e ao trabalho de uma nova geração de pequenos e médios produtores de artigos para Gastronomia que vêm oferecendo uma série de ingredientes sofisticados made in Brazil.
O mercado editorial também é um segmento que demonstra bem a extensão dessa transformação. Os títulos relacionados à Gastronomia vêm liderando os lançamentos e estão entre os mais vendidos. Os editores, oferecem opções para todos os gostos, em edições que vão desde as de bolso até as de luxo, e com tiragens raramente inferiores a 6.000 exemplares, muito acima da média nacional. Mas, nem só os livros vêm atendendo à demanda de informação e formação do mercado. Os canais de comunicação também se ampliaram. Diversas revistas especializadas, inúmeros programas de TV e mesmo de rádio, além das páginas de Gastronomia dos jornais e da Internet, estão à disposição do público.
Outra importante vertente da transformação por que passou, e segue passando, a Gastronomia do Brasil é a quantidade e variedade de eventos gastronômicos - festivais, apresentações, exposições, congressos, feiras de negócios, debates, concursos - que, também, acontecem de norte a sul. Cada vez mais segmentados, esses eventos atraem milhares de pessoas e geram mais que dinheiro e empregos, geram informação, agitando o mercado e contribuindo objetivamente para a disseminação de uma cultura gastronômica e para a formação e o aperfeiçoamento dos profissionais e dos consumidores do País.
O papel do consumidor
Mas nada disso teria acontecido se o consumidor não tivesse mudado também, e muito. Hoje, os brasileiros estão exigentes, têm o paladar mais apurado, provam sabores que antes eram inacessíveis ou desconhecidos e gostam muito de tudo isso. Vêm usufruindo com prazer dessa multiplicidade de ofertas e da sofisticação na combinação de ingredientes e na apresentação dos pratos oferecidos nos bons restaurantes e estão muito dispostos a levar tudo isso para dentro de suas casas.
O cardápio doméstico também não é mais o mesmo, nem os cozinheiros domésticos são os mesmos. Um público diversificado e sempre crescente, de considerável participação masculina, vem disputando as vagas dos diversos cursos e workshops de culinária, cada vez mais específicos e bem ministrados que, outro importante sintoma da mudança, não estão mais restritos ao eixo São Paulo-Rio, mas acontecem por todo o Brasil.
A culinária perdeu o estereótipo de conversa de comadres e transformou-se num assunto chique, politicamente correto, parte integrante do conceito de uma vida mais saudável. Edifícios residenciais modernos incluem um espaço gourmand na planta, oferecendo uma cozinha bonita e equipada conjugada a uma sala de jantar onde "chefs" amadores costumam reunir os amigos e demonstrar seus talentos.
Roteiros eno-gastronômicos passaram a fazer parte da programação de férias. Clubs de Charuto, Champagne, Conhaque, Porto, Bordeaux, Fois Gras, Tartufo e muitas outras delícias, espalharam-se e ganham novos adeptos a cada dia. Surgiram dezenas de Confrarias de Gourmets, quase todas redutos masculinos, em que as mulheres só entram nas festas ocasionais. Cozinhar, para muitos, mais que um hobby, virou paixão.
Mas os consumidores hoje querem mais que comprar e comer, querem saber. A informação gastronômica é um dos objetos de desejo desse público faminto por conhecimento, que busca muito mais que boas receitas. Querem saber das tradições gastronômicas, da origem dos ingrediente, da história de cada refeição e o que servir como bebida. Querem saber detalhes, querem minúcias.
E estão muito certos nisso, pois o saber gastronômico, tanto quanto a degustação em padrões de qualidade, refinam o paladar, possibilitando o desfrutar pleno dos prazeres da boa mesa e estabelecendo parâmetros pessoais de análise do que realmente é bom e do que não é.
E é exatamente esse o papel do consumidor nessa história - fazer, através do seu nível de exigência, toda a engrenagem do mercado gastronômico funcionar cada vez melhor para deleite de todos os gourmands e gourmets do planeta.
*Virgínia Brandão é diretora da VB Bureau de Projetos e Textos, agência de marketing integrado especializada em gastronomia, e autora do projeto Correio Gourmand, do qual é editora e, onde, também, escreve sobre o Mundo Gourmand.
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