Por Therbio Felipe M. Cezar
Este trabalho visa aprofundar a pesquisa acerca do tema “Gastronomia como Produto Turístico”, já que é relevante a preocupação em diversificar a oferta nos sítios ou destinos turísticos em função da competitividade e exigibilidade do mercado, atualmente. A consonância da cultura, história e legado determinam, sobremaneira, a identidade cultural de um indivíduo ou grupo. Logo, determinam também a perpetuação e secularização de elementos constitutivos da herança dos mesmos. A diversidade de sujeitos gera uma multidiversidade de sentidos e orientações em relação à arte de preparar e servir um alimento, dada a magia da confecção e transformação da matéria bruta em algo belo, saboroso, digno de louvores.
Este ato gastronômico, por vezes mágico, foge do trivial cozinhar e se lança em um universo mais subjetivo, mais elemental, longe dos prazeres mortais... As cores, o aroma, a forma alterada, os matizes, os paladares, todos eles fazendo parte de um objeto que pode, e deve, ser analisado como consorte do turismo. A referência mais remota do ato da alimentação em grupo se dá na pré-história, quando os homens eram responsáveis pela caça e pesca, enquanto as mulheres se dedicavam a colher frutos e raízes.
A cocção propriamente dita, ou seja, levar o alimento ao fogo, surgiu por volta do ano 5.000 A.C., sendo modificada a cada passo da evolução do homem. Com a necessidade de buscar outras paragens em função dos estios e das temporadas (estações do ano) e pela animosidade, alguns grupos migraram em busca de melhores condições para a vivência. Outros, porém, preferiram a manutenção de uma terra, uma só localidade, subjugando animais e o solo, aprendendo a viver de forma sedentária. Na Grécia Antiga notam-se as figuras dos mageiros, homens que cuidavam das cozinhas e do preparo dos grãos, e as de mirgias, figuras femininas que cuidavam da elaboração de massas, pães e doces. Aristóteles escreveu Hedypatheia – a vida dos prazeres, onde um dos capítulos propunha um estudo das leis do estômago, ou seja, Gastronomia (gaster – estômago / nomia – forma de lei).
Já no século XIV, fim da Idade Média, inicia-se a utilização dos molhos, condimentos e especiarias, transformando fisicamente os pratos. Em 1755, a aristocracia, representada por Brillat-Savarin, constitui o primeiro Tratado de Fisiologia do Paladar, estabelecendo ainda, que somente as casas nobres tinham o direito de servir a seus convivas e hóspedes, peças de carne de caça ou de animais domésticos.
No ano de 1765, o francês plebeu Boulanger atreve-se a conformar um modo de serviço de sopas e caldos ao ar livre, aberto ao público, em Paris, constituindo o primeiro restaurante conhecido. Mais tarde, ele volta a chocar os nobres servindo patas de carneiro aos seus convivas. Até mesmo o Rei quis degustar das especialidades de Boulanger. Saltando para 1846, com a figura de Escoffier – Rei da cozinha contemporânea, a gastronomia recebe o Manual da Cozinha Moderna (Repertorie de la Cousine). E, no século XX, o maior fenômeno da gastronomia chama-se Paul Bocuse, que estabeleceu a nova cozinha francesa (Nouvelle Cuisine).
Faz-se necessário perceber que a gastronomia, sendo o estudo das leis do estômago, traduz a forma cultural de manufatura de um alimento, enquanto culinária, a arte de cozinhar, sugere a transformação dos alimentos ao fogo de maneira diferenciada, mas longe do referencial cultural e histórico proposto pelo primeiro termo. O ato gastronômico está, intimamente, relacionado com o alimento, sua origem, forma, sabor, estrutura, coloração; como ele é feito, com que técnica, a que temperatura, por quanto tempo, de que forma se dão os procedimentos; e porque ele é feito, o que leva ao seu manejo, quais motivos expressam a carga cultural que o envolve, que relações permite...
Nenhum destes elementos anteriores teriam sentido sem o sujeito, o principal agente de transformação da matéria bruta em presente legado. Quem faz é o elo único, irreparável e digno de reverência, pois empresta ao alimento toda a interpretação das experiências, todo o poder adquirido através do tempo e das trocas, tudo o que lhe faz singular.
Portanto, é no fogo ancestral que se dão vivências, seja em uma fazenda, em um galpão de interior, em um restaurante luxuoso. Mais uma vez, unindo o alimento ao fogo, o homem rememora o ato de preparar o que lhe restaura, dá força e coragem. A exemplo disto, indica-se o ofício do churrasco, tradicional do Rio Grande do Sul, cujo elemento principal é o universo gaúcho. É lá que o churrasco (pedaço de sal - suor e carne – terra) é churrasco, porque é ainda preparado conforme a ancestralidade, dentro das regras e retratando a herança gaúcha em cada detalhe. Por ser mais próximo do homem primitivo, representado na forma mais rústica da união fogo e carne, reunindo o clã em volta do fogo para preparar o ataque a tribo inimiga, descobrir as virgens do seu velo, eleger os líderes, perpetuar as estórias e tradições. Assim é o apelo do churrasco dado pelo gaúcho.
Ao alimento se confere as lidas campeiras, o manejo do gado, as invernadas, as tertúlias, os fogos de chão, as guerras, as tempestades no campo, o cachorro companheiro, o palheiro, o pinho (violão), a amizade eterna, o cavalo, a indumentária, a bandeira maragata, a guria. Da mesma forma, outros exemplos de gastronomia estão relacionados à etnia ou grupamento étnico, criando características muito exclusivas de valor social, econômico e cultural. O primeiro valor está ligado às manifestações de ordem de grupo, intrinsecamente organizado e mantido pelos valores do próprio grupo. Este fato transfere ao alimento um caráter subjetivo e, muitas vezes, insubstituível. O segundo, econômico, denota as características sustentáveis do elemento gastronômico, que promovem a perpetuação do referencial cultural do ato visto como produto, formatado e desenvolvido para consumo, com valores agregados.
O valor cultural do ato gastronômico é o que pode, seguramente, atrair uma demanda específica, ora potencial, até os sítios de interesse turístico, onde, associado com a história, dispõe ao visitante um exemplo da raiz e da evolução da identidade cultural da localidade e, por conseqüência, do grupo. O notório grau de exigibilidade dos mercados faz com que o modo de comer se altere consideravelmente.
Exemplo disto é a profusão de fast-foods em todas as cidades do mundo, tanto os internacionais quanto os convencionais. A introdução deste modo de alimentação prejudica, em parte, a utilização ordenada e competente da herança cultural gastronômica de determinada localidade. Justifica-se o comentário analisando cidades como Porto Alegre, São Paulo, Curitiba e Florianópolis, cada uma dentro de sua tipicidade. No caso de Porto Alegre, Curitiba e São Paulo, a rotina e o ritmo de vida fazem com que haja uma necessidade específica em relação ao uso de restaurantes, convencionais ou não, o que propicia uma cultura de sair à noite para comer. Este gesto incrementa a atividade e faz girar o mercado. Muito raramente se solicita o envio de um deliverie a casa dos comensais ou a um flat ou hotel.
Já Florianópolis é atípica, porque quase inexiste o costume de sair a cear, motivado pela falta de oferta diferenciada e pelos serviços precários dos restaurantes. Tudo isto somado ao caráter mais acomodado do cidadão ilhéu. Este comentário não vai em defesa ou desmerecimento do comportamento dos florianópolitanos, mas sim supõe que ocorra uma situação de falta de atrativos para o turista, enquanto da sua permanência na ilha, além do fato de não existir um prato tipicamente nativo, que possa configurar como componente do produto turístico de Florianópolis. Em busca do original, do genuíno, do exótico estão todos os turistas neste momento da história, o que justifica a criação emergencial de uma identidade gastronômica a exemplo do que sucede em localidades como Minas Gerais, Espírito Santo, estado de São Paulo, Norte e Nordeste brasileiro e, notadamente, na Bahia.
Os produtos gastronômicos brasileiros não se baseiam somente nos pratos das cozinhas regionais, mas na diversidade das combinações de paladares e da universalidade das frutas, frutos, grãos, temperos, peixes, animais rasteiros e avifauna. Este produto gastronômico de singular valia pode ser peça de um instrumento mercadológico, servindo de diferencial competitivo. A estratégia de usar a gastronomia como objeto promocional do turismo é coerente, dada a escassez de novos produtos originais.
A promoção destes novos produtos com apelo gastronômico deve coincidir nos mercados internos e externos, buscando o reconhecimento da população e a sua epifania, através de festivais gastronômicos, concursos de receitas e festas eventuais. Mais uma vez, estão aí interrelacionados os valores sociais, econômicos e culturais da gastronomia, promovendo a busca da fidelidade da demanda turística em função do produto e/ou ato gastronômico típico. Concluindo, sugere-se a criação de uma rota (roteiro temático preestabelecido) gastronômica, o que pode alterar a situação estática dos sítios atingidos pela sazonalidade, encontrando no apelo sugerido uma nova fonte de trocas comerciais, sociais e culturais.
Fonte: Revista de Estudos Turísticos - 26/7/2003
Este trabalho visa aprofundar a pesquisa acerca do tema “Gastronomia como Produto Turístico”, já que é relevante a preocupação em diversificar a oferta nos sítios ou destinos turísticos em função da competitividade e exigibilidade do mercado, atualmente. A consonância da cultura, história e legado determinam, sobremaneira, a identidade cultural de um indivíduo ou grupo. Logo, determinam também a perpetuação e secularização de elementos constitutivos da herança dos mesmos. A diversidade de sujeitos gera uma multidiversidade de sentidos e orientações em relação à arte de preparar e servir um alimento, dada a magia da confecção e transformação da matéria bruta em algo belo, saboroso, digno de louvores.
Este ato gastronômico, por vezes mágico, foge do trivial cozinhar e se lança em um universo mais subjetivo, mais elemental, longe dos prazeres mortais... As cores, o aroma, a forma alterada, os matizes, os paladares, todos eles fazendo parte de um objeto que pode, e deve, ser analisado como consorte do turismo. A referência mais remota do ato da alimentação em grupo se dá na pré-história, quando os homens eram responsáveis pela caça e pesca, enquanto as mulheres se dedicavam a colher frutos e raízes.
A cocção propriamente dita, ou seja, levar o alimento ao fogo, surgiu por volta do ano 5.000 A.C., sendo modificada a cada passo da evolução do homem. Com a necessidade de buscar outras paragens em função dos estios e das temporadas (estações do ano) e pela animosidade, alguns grupos migraram em busca de melhores condições para a vivência. Outros, porém, preferiram a manutenção de uma terra, uma só localidade, subjugando animais e o solo, aprendendo a viver de forma sedentária. Na Grécia Antiga notam-se as figuras dos mageiros, homens que cuidavam das cozinhas e do preparo dos grãos, e as de mirgias, figuras femininas que cuidavam da elaboração de massas, pães e doces. Aristóteles escreveu Hedypatheia – a vida dos prazeres, onde um dos capítulos propunha um estudo das leis do estômago, ou seja, Gastronomia (gaster – estômago / nomia – forma de lei).
Já no século XIV, fim da Idade Média, inicia-se a utilização dos molhos, condimentos e especiarias, transformando fisicamente os pratos. Em 1755, a aristocracia, representada por Brillat-Savarin, constitui o primeiro Tratado de Fisiologia do Paladar, estabelecendo ainda, que somente as casas nobres tinham o direito de servir a seus convivas e hóspedes, peças de carne de caça ou de animais domésticos.
No ano de 1765, o francês plebeu Boulanger atreve-se a conformar um modo de serviço de sopas e caldos ao ar livre, aberto ao público, em Paris, constituindo o primeiro restaurante conhecido. Mais tarde, ele volta a chocar os nobres servindo patas de carneiro aos seus convivas. Até mesmo o Rei quis degustar das especialidades de Boulanger. Saltando para 1846, com a figura de Escoffier – Rei da cozinha contemporânea, a gastronomia recebe o Manual da Cozinha Moderna (Repertorie de la Cousine). E, no século XX, o maior fenômeno da gastronomia chama-se Paul Bocuse, que estabeleceu a nova cozinha francesa (Nouvelle Cuisine).
Faz-se necessário perceber que a gastronomia, sendo o estudo das leis do estômago, traduz a forma cultural de manufatura de um alimento, enquanto culinária, a arte de cozinhar, sugere a transformação dos alimentos ao fogo de maneira diferenciada, mas longe do referencial cultural e histórico proposto pelo primeiro termo. O ato gastronômico está, intimamente, relacionado com o alimento, sua origem, forma, sabor, estrutura, coloração; como ele é feito, com que técnica, a que temperatura, por quanto tempo, de que forma se dão os procedimentos; e porque ele é feito, o que leva ao seu manejo, quais motivos expressam a carga cultural que o envolve, que relações permite...
Nenhum destes elementos anteriores teriam sentido sem o sujeito, o principal agente de transformação da matéria bruta em presente legado. Quem faz é o elo único, irreparável e digno de reverência, pois empresta ao alimento toda a interpretação das experiências, todo o poder adquirido através do tempo e das trocas, tudo o que lhe faz singular.
Portanto, é no fogo ancestral que se dão vivências, seja em uma fazenda, em um galpão de interior, em um restaurante luxuoso. Mais uma vez, unindo o alimento ao fogo, o homem rememora o ato de preparar o que lhe restaura, dá força e coragem. A exemplo disto, indica-se o ofício do churrasco, tradicional do Rio Grande do Sul, cujo elemento principal é o universo gaúcho. É lá que o churrasco (pedaço de sal - suor e carne – terra) é churrasco, porque é ainda preparado conforme a ancestralidade, dentro das regras e retratando a herança gaúcha em cada detalhe. Por ser mais próximo do homem primitivo, representado na forma mais rústica da união fogo e carne, reunindo o clã em volta do fogo para preparar o ataque a tribo inimiga, descobrir as virgens do seu velo, eleger os líderes, perpetuar as estórias e tradições. Assim é o apelo do churrasco dado pelo gaúcho.
Ao alimento se confere as lidas campeiras, o manejo do gado, as invernadas, as tertúlias, os fogos de chão, as guerras, as tempestades no campo, o cachorro companheiro, o palheiro, o pinho (violão), a amizade eterna, o cavalo, a indumentária, a bandeira maragata, a guria. Da mesma forma, outros exemplos de gastronomia estão relacionados à etnia ou grupamento étnico, criando características muito exclusivas de valor social, econômico e cultural. O primeiro valor está ligado às manifestações de ordem de grupo, intrinsecamente organizado e mantido pelos valores do próprio grupo. Este fato transfere ao alimento um caráter subjetivo e, muitas vezes, insubstituível. O segundo, econômico, denota as características sustentáveis do elemento gastronômico, que promovem a perpetuação do referencial cultural do ato visto como produto, formatado e desenvolvido para consumo, com valores agregados.
O valor cultural do ato gastronômico é o que pode, seguramente, atrair uma demanda específica, ora potencial, até os sítios de interesse turístico, onde, associado com a história, dispõe ao visitante um exemplo da raiz e da evolução da identidade cultural da localidade e, por conseqüência, do grupo. O notório grau de exigibilidade dos mercados faz com que o modo de comer se altere consideravelmente.
Exemplo disto é a profusão de fast-foods em todas as cidades do mundo, tanto os internacionais quanto os convencionais. A introdução deste modo de alimentação prejudica, em parte, a utilização ordenada e competente da herança cultural gastronômica de determinada localidade. Justifica-se o comentário analisando cidades como Porto Alegre, São Paulo, Curitiba e Florianópolis, cada uma dentro de sua tipicidade. No caso de Porto Alegre, Curitiba e São Paulo, a rotina e o ritmo de vida fazem com que haja uma necessidade específica em relação ao uso de restaurantes, convencionais ou não, o que propicia uma cultura de sair à noite para comer. Este gesto incrementa a atividade e faz girar o mercado. Muito raramente se solicita o envio de um deliverie a casa dos comensais ou a um flat ou hotel.
Já Florianópolis é atípica, porque quase inexiste o costume de sair a cear, motivado pela falta de oferta diferenciada e pelos serviços precários dos restaurantes. Tudo isto somado ao caráter mais acomodado do cidadão ilhéu. Este comentário não vai em defesa ou desmerecimento do comportamento dos florianópolitanos, mas sim supõe que ocorra uma situação de falta de atrativos para o turista, enquanto da sua permanência na ilha, além do fato de não existir um prato tipicamente nativo, que possa configurar como componente do produto turístico de Florianópolis. Em busca do original, do genuíno, do exótico estão todos os turistas neste momento da história, o que justifica a criação emergencial de uma identidade gastronômica a exemplo do que sucede em localidades como Minas Gerais, Espírito Santo, estado de São Paulo, Norte e Nordeste brasileiro e, notadamente, na Bahia.
Os produtos gastronômicos brasileiros não se baseiam somente nos pratos das cozinhas regionais, mas na diversidade das combinações de paladares e da universalidade das frutas, frutos, grãos, temperos, peixes, animais rasteiros e avifauna. Este produto gastronômico de singular valia pode ser peça de um instrumento mercadológico, servindo de diferencial competitivo. A estratégia de usar a gastronomia como objeto promocional do turismo é coerente, dada a escassez de novos produtos originais.
A promoção destes novos produtos com apelo gastronômico deve coincidir nos mercados internos e externos, buscando o reconhecimento da população e a sua epifania, através de festivais gastronômicos, concursos de receitas e festas eventuais. Mais uma vez, estão aí interrelacionados os valores sociais, econômicos e culturais da gastronomia, promovendo a busca da fidelidade da demanda turística em função do produto e/ou ato gastronômico típico. Concluindo, sugere-se a criação de uma rota (roteiro temático preestabelecido) gastronômica, o que pode alterar a situação estática dos sítios atingidos pela sazonalidade, encontrando no apelo sugerido uma nova fonte de trocas comerciais, sociais e culturais.
Fonte: Revista de Estudos Turísticos - 26/7/2003
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