Por Pedro Biava
Um estudo inédito realizado pela nutricionista Rosemeire Bertolini Lorimer analisou a história da alimentação no Brasil, desvendando alguns dos fatores que contribuíram para a formação das diversas culturas regionais alimentares encontradas no País. O estudo O impacto dos primeiros séculos de história na América portuguesa na formação da brasilidade alimentar, apresentado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP em dezembro do ano passado, traçou o caminho percorrido pela nossa alimentação começando em Portugal, da época medieval, passando pelas grandes navegações e finalizando no término do período colonial, voltando as atenções a fatos que contribuíram para a formação das tradicionais cozinhas mineira e baiana.
Depois de pesquisar em bibliotecas documentos de 200 anos, Rosemeire conseguiu descobrir o que os navegadores do descobrimento comiam nas viagens e percebeu que, antes mesmo da chegada dos portugueses, a culinária sofreu sua primeira grande adaptação ainda em alto mar. A incerteza da duração das viagens criou uma necessidade de levar alimentos não perecíveis como biscoitos de farinha e peixes conservados em sal. Apesar de em algumas expedições haver um navio destinado a transportar mantimentos, a variedade era pouca e ainda haviam os ratos, vermes e baratas que devoravam boa parte das provisões, sem contar as várias doenças, como o escorbuto. A passagem por diversos portos da costa africana durante as primeiras grandes viagens propiciou um contato com diversas culturas, o que permitiu que muitos alimentos diferentes fossem incorporados pela tripulação dessas embarcações. "Toda essa atmosfera interferiu na cultura alimentar que chegou ao Brasil", aponta a pesquisadora.
Já em terra, ocorreu um primeiro grande passo rumo à evolução dos hábitos alimentares. Sem saída, os portugueses incorporaram hábitos indígenas, principalmente com relação aos procedimentos de obtenção dos alimentos. Apesar de serem caçadores e coletores, os índios também mantinham uma cultura para o plantio de mandioca, milho, abóbora e amendoim. Os exploradores se aproveitaram dessa técnica para incrementar sua dieta. A alimentação dos índios era nutricionalmente boa. "Durante a pesquisa não foram encontrados relatos sobre índios doentes", conta.
Substiuição de condimentos
Mais tarde, segundo Rosemeire, ocorreu a substituição dos condimentos europeus por similares da colônia. "Onde a portuguesa usava maçãs, pêras e pêssegos para fazer suas conservas, passou a usar o mamão verde e o coco. As cerejas e ameixas podiam ter como similar a jabuticaba, enquanto as nozes e amêndoas, o amendoim", diz a nutricionista. "A estrutura culinária portuguesa foi mantida mas os ingredientes foram trocados." Nas grandes fazendas ou nas minas coloniais, a culinária ganhava cara própria, variando de região para região de acordo com os produtos disponíveis e as características dos povos presentes como escravos, portugueses e índios.
A pesquisa também funciona como uma importante ferramenta na compreensão da atual situação de subnutrição em certas regiões do País. "A política de ocupação e colonização do novo território português proporcionou, ora grandes quantidades de terras cultivadas com cana e rara população, como no recôncavo baiano, ora uma superpopulação, como na região das minas, em certas áreas causada pela procura por ouro", aponta. "Estes fatores aliados à falta de recursos disponíveis, dificuldades de transporte, rareamento e preço elevado dos produtos, foram identificados como responsáveis por causar esse quadro alimentar de pobreza visto durante o período colonial e que ainda persiste em muitas regiões do Brasil", completa.
O trabalho, segundo Rosemeire, apesar da tese traçar um panorama da evolução de uma triste situação de pobreza alimentar, apresenta também assuntos pitorescos como o surgimento da diversificada culinária nacional, representada nos estudos da nutricionista pelas cozinhas baiana e mineira, consideradas por ela como "verdadeiras jóias da nossa cultura".
Mais informações : (0XX11) 3081-5091, na Assessoria de Imprensa da FSP
Fonte: USP
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