Post enviado pela aluna Angela Z. Cagliari
Postado em 28 de abril de 2010 no The Huffington Post, por Michael Ruhlman.
Honestamente eu posso dizer que nunca havia ouvido uma quantidade tão grande de porcaria como na semana passada na conferência do IACP 1 (Associação Internacional de Profissionais de Culinária), em Portland, Oregon. Porém, tenho de deixar claro que quando digo porcaria, eu não estou me referindo pessoalmente a Karen Page2 – ela estava apenas sendo porta-voz do que, aparentemente, todos parecem acreditar e divulgar: todos nós levamos vidas tão atribuladas que não temos mais tempo para cozinhar.
Para repetir: porcaria. Talvez você não goste de cozinhar, talvez você seja muito preguiçoso para cozinhar, talvez você prefira assistir televisão ou cuidar do jardim. Eu não sei, e não me importo, mas não venha me dizer que você está muito ocupado para cozinhar. Todos nós temos a mesma quantidade de horas todos os dias, e todos nós escolhemos como usá-las. Trabalhar 12 horas por dia é uma escolha.
Me diga, você já ouviu isso? “ Você sabe, este mês, eu realmente gostaria de ter tido mais tempo porque eu acredito que devemos pagar tributos. Eu estava muito ocupado”. Ou então, “ Eu tenho câncer na cabeça, mas estive muito ocupado para fazer uma cirurgia”. Ou ainda, “Você sabe o quão difícil é colocar meu filho em uma creche em Manhattan; se ao menos eu não estivesse tão ocupado”.
Nós não falamos esse tipo de coisa, falamos? Contudo, as indústrias de comida processada fazem com que fique fácil dispensarmos o ato de cozinhar para nós mesmos. E assim nós fazemos, por próprio risco. É por isso que eu respondi a Karen como o fiz. Os Estados Unidos é um país muito burro para questionar se algo é bom ou não para ele.(“Marge, na embalagem do produto diz snack bom[saudável]”) 3. E da mesma forma nós acreditamos naquela estupidez [do Snack Well's], nos acreditamos que essas mesmas empresas estão apenas nos dizendo o quão maravilhosas nossas vidas serão se comprarmos os produtos Lean Cuisine4 com baixo teor de gordura, porque nos sobraria muito mais tempo, afinal, leva apenas três minutos para ficar pronto. Antes levava sete! Agora você tem quatro minutos extras para brincar!
Isto não é uma crítica às pessoas que comem produtos da Lean Cuisine. Se você está feliz comendo esses produtos e nada poderia ser melhor para você, eu não direi uma palavra contra isso. Eu apenas não quero ouvir que você não tem tempo para cozinhar comida de verdade.
Desde o início da indústria alimentar as empresas buscam por tempos mais rápidos de cozimento – é isso que eles estão vendendo, e não comida que você gosta ou que lhe faz bem. É essa rapidez que a indústria quer que as pessoas valorizem. Por décadas, não apenas as corporações alimentares multinacionais têm nos vendido rapidez, a mídia também o fez. A mídia abraçou a ideia. “É isso o que as pessoas querem!”, dizem os editores/escritores com os quais conversei.
Revistas, jornais e programas de TV nos bombardeiam com refeições rápidas e fáceis. Isso ocorre há décadas. Nós nos tornamos melhores, mais felizes e mais saudáveis de alguma maneira? Algumas pessoas sim. Porém, não porque aprenderam a passar menos tempo cozinhando; provavelmente, estão melhores porque aprenderam a passar mais tempo cozinhando. E o resto do país apenas se tornou mais gordo, doente e triste, ao ponto que o governo sente que precisa intervir e regular a alimentação da população.
Parte do problema são os editores de revistas e produtores de televisão nos enchendo de refeições rápidas e fáceis em casa. É a mensagem errada a se passar. Esses editores e produtores estão apoiando a indústria de alimentos processados, propagando sua mensagem. O que eu digo a essas pessoas, a Rachael Ray, a Jamie Oliver, e suas refeições de 20 minutos é: Deus abençoe vocês, mas estão fazendo propaganda em nome da indústria de alimentos processados.
Ligeiro, rápido e fácil não é o principal. Bom é o que importa. Fazer você sentir-se bem é o que importa. Eu não estou dizendo para passar três horas fazendo gelatina de galinha, estou dizendo para colocar o frango no forno com algumas batatas cortadas por uma hora. Sim, uma hora inteira! Se você está inclinado a desfrutar prazeres carnais com seu parceiro durante aquela hora, o frango será ainda mais apreciado. Mas se há roupas para lavar, se as crianças precisam de ajuda em geometria, então faça isso enquanto o frango assa.
Em uma hora, todos que irão comer podem ajudar a arrumar a mesa, encher alguns copos, tirar os pratos do armário. Crie esse tempo. Da mesma forma como você cria tempo para comprar sapatos para seus filhos, para limpar o banheiro, para pagar as contas – crie tempo para cozinhar uma refeição que lhe fará sentir-se bem quando terminar de comer. Rápido e fácil não lhe levarão a lugar algum. Rápido e fácil irão apenas lhe deixar frustrado e parecendo que você não consegue fazer melhor. Você quer rápido e fácil? É para isso que existem as telentregas [take-out, pedido no balcão para comer em casa]. Não há nada de errado com elas. Eu adoro vir para casa com duas belas pizzas do Marotta's e abrir um bom vinho.
Contudo, tirar alguns dias da semana para preparar comida com outras pessoas ao redor, apreciando o momento, é uma das melhores coisas que se pode fazer na vida, ponto final. Faz parte do que nos fez tornarmos humanos. Cozinhar nos faz feliz de forma profunda e benéfica. Rápido e fácil não tem nada a ver com isso.
Tradução livre: Angela Z. Cagliari
Tradução livre: Angela Z. Cagliari
2 Karen Page é mestre em desenvolvimento de sabores para alimentos pela Universidade de Harvard, e foi uma das palestrantes da conferência anual da qual autor se refere.
3 Snack Well's é uma marca de biscoitos vendidos como diet da indústria Nabisco nos EUA.
4 Lean Cuisine é uma linha de produtos congelados da Nestlé de baixo teor de gordura e calorias, vendida na A.do Norte.
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