
Helen Longhi Wagner
Mestre em Psicologia-UFRGS
hell.wagner@gmail.com
A cozinha nada mais é que um consultório de psicanálise, em que a mesa faz o papel do divã; e o fogão, um instrumento da terapia
Por Maria Victória, do Bistrô Montagu, Rio de Janeiro
Fotos Alexandre Landau
“Aprendi a cozinhar desde que me entendo por gente. Venho de uma família ‘temperada’. Minha avó, criatura generosa nas risadas e na culinária, foi a responsável por muitos de meus carros- chefes na cozinha. Até hoje me lembro do pudim de frutas secas que chegava majestoso à mesa natalina, envolto em chamas azuladas de conhaque, a calda escorrendo pelas beiradas, exalando especiarias e ternura, que me faziam calar com respeitoso assombro. Minha mãe, embora não fosse uma entusiasta das panelas, tinha mãos de padeiro. É forte a lembrança do aroma de um almoço dominical em casa. Ela sempre fazia um lanchinho especial. Tinha waffles e, outras vezes, uma rosca dourada recheada de goiabada. Havia também apple crisp, minha preferida: torta de massa crocante, com maçãs bem cozidas, envoltas em canela, que mamãe servia quentinha, com sorvete de creme, e me fazia suspirar de prazer.
E, dentre todas as lembranças com as minhas irmãs, guardo ainda os momentos da adolescência, as madrugadas de sábado, quando minhas irmãs e eu nos reuníamos, cada uma chegando de um programa ou festa, para um papo de cozinha. Começou do nada. A gente chegava sempre com fome e, para os adolescentes, a vida nada mais era que uma árdua guerra pessoal contra os hormônios desgovernados e competidores desleais pelo prêmio da supremacia social, em que as mais cruéis batalhas são travadas nas noites de sábado.
De colherada
O ritual era sempre o mesmo: quem chegasse primeiro fazia o brigadeiro. O sabor variava conforme o capricho de quem o fazia – algumas vezes de chocolate, outras vezes de gemas. Derramava na tigela e ficava com a rapa. Quem chegasse depois pegava uma colher e comia.
Volta e meia meu pai aparecia, sempre com um ar reprovador, para ver se todas já haviam chegado e, normalmente, retirava-se sem dizer uma palavra. Uma noite, em meio à conversa, fomos interrompidas por ele, com um olhar sinistro, munido de uma daquelas bombas manuais de inseticida. Silenciosamente, rodou toda a cozinha, bombeando aqui e ali, totalmente alheio à nossa presença. Ao final, parou na porta, fitou-nos com os olhos muito azuis e disparou sombriamente: ‘Praga bíblica! Animal pré-histórico! Barata, criatura inextirpável!’ Em seguida, retirou-se. A gente se olhou sem entender nada e continuou a comer.
A cozinha era grande, a mesa ficava no centro. O doce era quentinho, macio e escorregava pela boca, ocupando todos os espaços internos. Era uma sensação confortável, a conversa, o doce, as risadas, as confidências, os sonhos, o sono. A gente ia dormir com a alma e a barriga satisfeitas.
Mesa como divã
A cozinha foi o consultório de psicanálise da minha adolescência, onde a mesa fez o papel do divã, o fogão foi um instrumento da terapia, e eu fui ora a terapeuta, ora a paciente. Lá, entre colheradas de brigadeiro, derramei as tormentosas lágrimas das primeiras ilusões românticas desfeitas, dei vazão aos turbulentos e passageiros sentimentos da juventude, dei as gargalhadas mais escandalosas, tomei as decisões mais absolutas, sofri as primeiras angústias e enfrentei minhas inseguranças. Analista de fogão, quem não o foi.
Hoje em dia, já não há cozinhas grandes, com lugar suficiente para a mesa. As novas são planejadas, todos os espaços ergonomicamente aproveitados por designers, perfeitamente integradas ao ambiente. Nelas, a gente se senta em bancos altos, entre um micro-ondas e um processador. Não há lugar para uma mesa, daquelas de fórmica, brancas ou coloridas ou, então, de madeira, porque já não há tempo para um papo de cozinha.
Mas tenho em minha imaginação uma cozinha grande, com uma mesa enorme. Ali, ainda sou adolescente e tem sempre um brigadeiro quentinho me esperando. É para lá que vou quando estou triste. É lá que me sento, dou risadas, sou feliz. E cheguei à conclusão de que me tornei a pessoa que sou pelo que comi.”

10 porções
Batata-doce caramelizada
2 kg de batatas-doces; 200 g de manteiga
300 ml de melado ou mel de engenho
100 ml de cachaça de boa qualidade 1 pau de canela; sal a gosto
Pernil
Batata-doce caramelizada
MontagemSirva o pernil fatiado com molho reduzido e batata-doce caramelizada.

Massa2 xícaras (chá) de farinha de trigo1/3 de xícara (chá) de manteiga*; 1 ovoSalmoura feita com 7 colheres (sopa) de água e 1 colher (chá) rasa de sal
Recheio
400 g de frango assado e desfiado300 g de carne de porco cortada em cubos pequenos; 200 g de palmito cortado em cubos200 g de ervilhas congeladas; 50 g de azeitonas pretas picadas 2 colheres (sopa) de óleo*2 colheres (sopa) de salsa picada1 colher (sopa) de coentro picado1 colher (sopa) de extrato de tomates3 tomates sem pele e sem sementes2 alhos picados1 ou 2 pimentas-bode picadas1 cebola picada1 folha de louro(*) a receita original leva banha de porco.
Massa1 Coloque a farinha em uma tigela de metal, acrescente os outros ingredientes e trabalhe a massa até ficar bem lisa. 2 Embrulhe em filme plástico e deixe descansar na geladeira por 1 hora. 3 Enfarinhe uma superfície e abra a massa com um rolo de papel; corte rodelas de cerca de 8 cm de diâmetro para forrar as forminhas e outras de 5 cm de diâmetro para as tampinhas. Dica da chef: Podem-se usar um pires e uma xícara de café como molde.
Recheio
1 Numa panela, aqueça o óleo e junte a carne de porco aos poucos; refogue até dourar. 2 Junte a cebola; refogue. 3 Acrescente o alho, o louro, as pimentas, os tomates e extrato de tomates e deixe a carne cozinhar até ficar macia; se necessário, vá pingando água aos poucos para que o líquido não resseque. 4 Quando a carne de porco estiver cozida, acrescente os outros ingredientes e refogue ligeiramente; verifique o tempero. Dica da chef: O recheio deve ficar úmido, ainda com molho.
Finalização
1 Forre o fundo das forminhas com a rodela maior, coloque 1 colher (sopa) de recheio frio. 2 Pincele as bordas com um pouquinho de água e aperte a tampinha para colar. 3 Pincele as empadinhas com ovo batido e leve a assar em forno médio.

6 porções
Receitas de Maria Victória, chef do Bistrô Montagu, Rio de Janeiro, RJ
Fonte: Prazeres da Mesa on line
Nenhum comentário:
Postar um comentário